6 de agosto de 2009

Tango

Não sei se o sino da igreja ali ao lado já tinha tocado para assinalar a passagem do dia, estava de olhos colados nos corpos que se mexiam à minha frente, os ouvidos na música e o cérebro longe dali. Os olhos seguiam uma mulher esguia, pernas muito longas quase completamente tapadas por uma saia ligeiramente abaixo do joelho, cabelo comprido sobre os ombros, a lembrar as divas do pós-guerra, os pés ligeiros, nuns sapatos de salto não muito alto. São sempre tão elegantes os sapatos das mulheres que dançam o tango. Movia-se como se nada mais existisse, apenas ela e o seu par, como se os pés não tocassem o chão, como se o mundo tivesse parado naquele instante, com uma sensualidade quase palpável. Era um grupo pequeno, uma dezena de pares, que rodopiavam, trocavam os pés em movimentos rápidos, para num segundo voltar ao ponto de partida, elas lançando ligeiramente uma perna para trás, num quase imperceptível acto de sedução, para pouco depois a erguer no mesmo sentido de forma mais brusca, naquilo que sempre me pareceu, no tango, uma afirmação da posição da mulher sobre o homem. Não sei do que falo, sou pé de chumbo, e da história do tango conheço nada, mas este movimento, ou aquele outro em que a mulher cruza uma perna levantada sobre a outra e a coloca entre si e o homem, são hipnotizadores. Talvez fosse do vinho do jantar, da conversa que se prolongou e do mimo que recebi, mas aquela praça, com o céu tapado pelas árvores e ao som do tango, tinha hoje concentrada a magia de uma cidade inteira e de muitas histórias de amor.

1 comentário:

Miguel Marujo disse...

belo vinho, melhor mimo, bendita sensualidade - da escrita