5 de dezembro de 2007

testosterona

A sala é um rectângulo pequeno e transpira testosterona, num ambiente quase sempre tão frio como na rua que se vê pela janela, a um canto. Na mesa, sobre comprido, onde um projector vomita para a parede os temas da reunião, estão dez pessoas, só duas mulheres, três nos dias de sorte, no meio de tanta necessidade de protagonismo. Daqui a pouco já não os aguento e a reunião, a segunda do dia, vai tornar-se rapidamente insuportável, sei como é, infelizmente vejo este filme demasiadas vezes. Só a custo consigo esboçar um sorriso no meio das gargalhadas. É tempo perdido, cada um a falar para si próprio, enquanto o do lado tenta falar mais alto, provar que é melhor, que sabe mais, que tem razão. Sinto-me deslocada. Aquele não é o meu mundo e estou ali por engano. Faço setas na caderno à minha frente, roo as peles do dedo anelar da mão direita, ajeito a saia, perco-me a pensar no que me espera lá fora. Não os oiço metade do tempo, enquanto espero, numa aparente calma, sisuda como só eu sei. Quando chega a minha vez já estou de cabelos em pé. Passo os temas o mais depressa que posso, sempre lentamente porque interrompem mil vezes, está tudo mal, está sempre tudo mal, mesmo quando está bem, e têm que botar bitaite, uma vírgula onde já devia estar um ponto final, um advérbio onde era suposto estar um adjectivo, qualquer coisa serve para deitar abaixo e desmoralizar. Riem-se muito, muito alto, de tudo, por nada. Eu calo-me e espero, qual professora primária que aguardem que as crianças retomem os seus lugares, juiz em tribunal, mas sem martelo, sem poder por ordem na casa. São todos compinchas e eu ali fico à espera que se lembrem que aquilo não é uma noite de copos. Sou sempre a primeira a sair e vou-me embora enjoada. Na porta sa sala espero encontrar um dia um cartaz que dirá o ministério da saúde adverte que o uso da testosterona em doses elevadas é prejudicial a saúde mental de quem o rodeia.

Sem comentários: