Pega no telefone e liga para o escritório, diz-lhes que não vou, que hoje é dia de enterrar a melancolia, o peso do inverno, o cansaço dos dias. Enquanto ligas vou fazer a mala, agarrar nos CD, num livro para ler nos fins de tarde. Vamos para sul. Vou caminhar de sapatos leves, t-shirt e casaco de algodão, pôr um chapéu na cabeça e proteger-me do sol, mesmo que tímido, mesmo que de primavera. Vou inspirar fundo, uma e outra vez, e encher a alma do cheiro das laranjeiras em flor. Hoje não, o Sul chama-me nestes dias em que as ruas se enchem de procissões, do cheiro a incenso, das ladainhas ditas a meia voz pelos penitentes de nazarenos de túnicas imensas, brancas, pretas, roxas, de capuzes pontiagudos brancos, pretos, roxos, de velas e cruzes na mãos, pés descalços no asfalto. Liga para o escritório e diz que hoje não vou, que preciso de limpar a alma, respirando outros ares, outras vidas, que preciso de voltar a ver, invés de olhar. Liga e diz que vou acordar tarde depois das procissões, almoçar em tascas, bebendo canas e comendo pinchos, enquanto por nós passam mulheres de mantilha negra presa aos cabelos por uma travessa. Hoje não. Pega no telefone
e liga para o escritório…
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