4 de janeiro de 2013

abrir a porta

[José Manuel Navia]

volto sempre, mesmo que tenha passado tanto tempo que a certidão de óbito esteja já arquivada na última caixa, da pilha de caixas coladas à parede do fundo de uma cave poeirenta que há meses que não vê o sol. não me lembro a última vez que abri a janela, que escrevi uma palavra que não fizesse parte de uma lista de compras, pão, açúcar, massa, arroz, beterraba, tomate, courgette e gengibre para compensar os hidratos de carbono, não me recordo a última vez que escrevi uma frase, com sujeito e predicado, que não fosse um ofício, as palavras do presidente da junta impressas em papel azul de vinte linhas, como se ainda existisse, não me lembro da última vez que rabisquei uma linha, simples declaração de intenções ou em forma de oração, pedindo sol, chuva, amor, tempo, simples afirmação de bem estar, contando gargalhadas, citando livros, falando de sexo, queixume em forma de suplica, para que tudo mude, sabendo que apenas eu posso fazer por isso, que como sempre está nas minhas mãos. volto sempre, abro a porta, vou sondando as teclas, experimentando compassos, por tentativa erro, acreditando que talvez hoje tenha algo para dizer. hoje, porque hoje há um alter ego desassossegado durante o almoço e ninguém resiste ao apelo dos fâs.

3 comentários:

Tétisq disse...

eu não era fã, mas apanhei este regresso e fiquei :)

Sal disse...

Dois fãs é de uma enorme responsabilidade. lá terei que voltar a escrever (:

Isobel disse...

também não era fã mas fiquei contente por ter descoberto que o regresso teve lugar.