sento-me na esplanada vazia ao pé da junta para cinco minutos de sossego, cigarro na mão, café e jornais à frente. nisto um casal cruza a esquina, passo muito vagaroso, as costas curvadas, a pele muito enrugada, ela com os dedos da mão esquerda entrelaçados nos dedos da mão direita dele. o polícia de serviço vê-os virar a esquina, vê-me sozinha na esplanada e diz, como quem mete conversa, 'isto são casais como já não existem. se for preciso vão para a televisão dizer que estão casados há cinquenta anos e que nunca tiveram uma discussão'. sorrio, tento não ser antipática, mas baixo os olhos para o jornal, como quem diz oh-homem-não-vê-que-tenho-mais-que-fazer? ele ignora o gesto, ignora a falta de resposta e em minuto e meio fico a saber que foi casado durante 25 anos, mas agora está separado, que cada um foi à sua vida, que quando as mulheres ficavam em casa e os homens é que iam trabalhar era tudo diferente... sustenho a respiração para não desatar à gargalhada, aceno com a cabeça e despacho o café. ao fundo da rua vai o mesmo casal, passo vagaroso, mão na mão, as costas curvadas, fico a vê-los afastarem-se e penso que se fossem à televisão, talvez dissessem verdade, talvez mentissem. vícios privados, públicas virtudes, e a felicidade dos casais, aquela que trazem a passear à rua, nem sempre é a mesma que praticam em casa.
2 comentários:
Vi um casal assim aqui há umas semanas na Suécia. Americanos. Turistas. A vida toda por trás. Acho que os invejei. Ou talvez só os tenha apreciado na distância que a observação proporciona. Imaginei a história. Detive-me ali assim a vê-los naquela placidez.
Pode não ser o caso do casal que mencionas-te, mas conheço boa gente que vive das aparências na rua, e em casa, bem em casa nem há palavras... beijocas
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