5 de abril de 2008

transformação

No meio do trânsito, uma fila interminável de carros alinhados no pára-arranca de sexta à noite. Tudo no mesmo sentido, tudo à procura da salvação de uma bebida. Eu não vou, arrasto-me para um compromisso inadiável, o peso do dia na cabeça, no pescoço, nos ombros, nos braços. Estou novamente parada, a cabeça encostada na palma da mão, braço apoiado na janela aberta, levanto a cabeça e está um tipo entrado na vida a olhar para mim e a sorrir, quase a rir, não faço ideia do que lhe vai na cabeça, mas tenho noção da cara que devo estar a fazer enquanto me embalo num lamento surdo, numa piedade silenciosa por mim própria. Percebo o ridículo e enfio os dedos por entre os cabelos e sacudo a cabeça para afastar o cansaço e os maus pensamentos e piores espíritos. Tiro da mala a bolsa da maquilhagem, de lá de dentro a base compacta, o lápis para os olhos, espalho tudo no banco do pendura enquanto controlo pelo canto do olho se o sinal muda, meto mudança, dou um toque no acelerador, ponho o rádio para a Radar, vou a ponto morto e deixo o carro rolar até parar uns metros mais à frente. A rádio debita os sons da minha adolescência, vou baqueteando com os dedos no volante, gingando as ancas com o rabo colado no assento, e no mesmo instante tenho novamente 20 anos, sei que sou uma mulher interessante, dona de mim, que tenho a noite inteira a minha frente. Como um livro em branco.

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