14 de julho de 2013

geografia sentimental


está um calor infernal, do qual me é difícil queixar, vou de carro algures a caminho do aeroporto numa zona que passado tanto tempo continua a ser de ninguém, é uma estrada comprida com uma ligeira curva onde há anos, também sob o sol demoníaco das duas da tarde fiquei com o carro empenado. carro a gasolina não anda a gasóleo. lembro-me desse dia, da longa espera partilhada com a I. e das conversas. quando dou conta a cabeça já está numa rua no centro de lisboa, frente à porta fechada de um prédio centenário, lá dentro um gabinete ministerial, onde um dia roubei e deixei que me roubassem beijos, era domingo, um tarde quente de Junho, e a rua estava completamente deserta.

quando dou conta estou a recriar em lisboa toda a minha geografia sentimental. há as escadas de uma igreja junto ao metro do chiado e uma conversa sobre um disco e sobre a falta. há dois miradouros, santa catarina, onde um dia percebi que me tinha curado de um grande amor, e o da graça onde descobri que me podia apaixonar para a vida - ainda que neste caso tenha levado algum tempo a perceber a evidência -. uma esplanada junto ao rio que foi  o meu refúgio, numa altura difícil, durante meses, onde os empregados já me tratavam pelo nome e reservavam mesa, mesmo que não consumisse mais do que um café e uma água das pedras com uma rodela de limão. há a praça das flores e a sua esplanada de muitos pequenos-almoços e jornais partilhados.

há o chiado, as ruas que subi e desci todos os dias à hora de almoço, trocando confidências e disparates. há um primeiro beijo na calçada do sacramento, depois de um jantar em que fui uma verdadeira cabra. há uma escada numa das velhas fábricas da lx factory onde um dia dei dos beijos mais ternos e apaixonados da minha vida. há um parque, chamado das conchas, onde uma estrela cadente me concedeu um desejo que ainda hoje continua válido. uma vila operária na graça com uma janela sobre o tejo onde amei e fui amada. há as ruas de alfama onde, com a  desculpa de saltos de sete centímetros e da calçada portuguesa, me apoiei num ombro para que me dessem a mão. e o pequeno miradouro lá em cima, com a sua igreja altaneira, descoberto numa tarde de junho, tantas vezes revisitado por bons e maus motivos. em são pedro de alcântara chorei até ficar sem lágrimas e jurei enterrar de vez as tristezas. e do king fica a memória do segredo dos seus olhos, o dia em que decidi arrumar o passado de vez em caixinhas verde alface, onde se guardam as memórias felizes. o king, o meu sítio de eleição para chorar a alma e além dela. 

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