8 de dezembro de 2011

dos sonhos

[a dangerous method, david cronenberg]

[Sabina Spielrein: "If you ever want to take the initiative, I live in that building there"]

Dormi 10 horas e meia de seguida. Profundamente. Quando acordei tinha ao meu lado o edredon esticado sem uma única ruga, inviolado, sinal de que me mantive todo o tempo na mesma posição ou que me mexi muito pouco, qualquer coisa como um porco no espeto, primeiro de barriga para baixo, depois de barriga para cima. Dormi 10 horas e meia de seguida e sonhei com um bebé, quase recém-nascido que a mãe, alguém que me era muito próximo, talvez a minha irmã, tinha deixado como que abandonado. Era gémeo de outro. Lembro-me de o tirar do berço e de ver que não tinha crânio, apenas o cérebro à vista, sinal da tal negligência, ou defeito congénito que levou ao abandono. Tentei protege-lo, cuidar dele, levá-lo ao médico, e tudo corria bem neste cuidar de quem se preocupa, de quem luta pela sobrevivência de outro, até chegarmos àquele momento em que o cuidar não era apenas proteger as feridas, pôr pomadas, que o cuidar era brincar, ensinar a crescer, dar tempo e atenção. E toda eu era impotência, por não saber como se faz. Percebi que nunca poderia ser mãe. Tudo isto acontecia num bairro que já não existe, atravessado por uma estrada. Agora havia uma ponte de ferro, uma estrutura intrusiva e gelada, e na estrada lá em baixo não passavam carros, mas havia muitas carcaças de ferro abandonadas. Este era um futuro que não imagino, que apenas vi nos filmes, longínquo e militarizado. Fugíamos a pé e de carro de militares armados, de polícias, num medo só. Fugíamos em bandos, escondíamo-nos em casas sem portas, com portas partidas, de janelas escancaradas, de vidros estilhaçados, telhados caídos. Corríamos por ruas cheias de lixo, malas abandonadas, abertas no meio da rua. Fugíamos, fugia, enquanto procurava o homem que amava e não me queria. Dormi 10 horas e meia de seguida e sonhei que amava um homem que não me amava.

[Ando a ler “Elegia para um americano” de Siri Hustvedt e esta semana vi “Um método perigoso” do Cronenberg. Só isso explica que eu, que nunca me lembro dos sonhos, me lembre deste com tantos detalhes. Quando chegar a casa espero ter uma chaise longue no meio da sala, com uma cadeira estrategicamente colocada junto ao sítio onde repousarei a cabeça.]

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