18 de agosto de 2009

o universo está a tentar dizer-me alguma coisa

© Satoshi Saikusa

há uma borboleta gigante à entrada de casa, ou à saída, dependendo do sentido que se leva, e esse é o meu, o da saída, mas a borboleta está lá indecisa entre o entrar e o sair. estendo-lhe o dedo, ela sobe sem cerimónias, passeia-se pelo meu braço, caminha até quase ao ombro, estendo-lhe o dedo da mão direita e ela volta a subir novamente sem cerimónias, ficamos naquele jogo muito tempo tic-tac-tic-tac-tic-tac. A borboleta por vezes não se agarra com força suficiente e vem por aí abaixo, pelo abismo até ao chão, fica a espernear, asas encostadas na pedra, e novamente a levanto. tento não pensar qual será o seu destino, já deu para perceber que por qualquer razão não terá muito jeito, ou então perdeu-o, deixou-o cair aí algures, para essa coisa de voar. e é a voar que de um momento para o outro, passado um bocado, me começam a entrar bolas de sabão pela janela do carro, redondas, ocas, perfeitas, bolas de sabão no meio de trânsito, no pára-arranca-pára-arranca-pára-arranca destes dias de agosto que sempre custam menos porque está um calor dos diabos e uma pessoa por mais que tente nunca fica verdadeiramente mal disposta em dias de verão, ou pelo menos quer acreditar que sim, que não fica verdadeiramente mal disposta e infeliz. divago, mas não é nisso que penso quando as bolas de sabão entram pela janela do carro, porque estou com um sorriso enorme e não é todos os dias que há bolas de sabão no meio da cidade, no meio do trânsito, e do outro lado da estrada lá está um miúdo, não tem mais de quatro anos, a soprar bolas de sabão e gargalhadas que se sobrepõem ao barulho do pára-arranca-pára-arranca-pára-arranca. uma borboleta e bolas de sabão e ainda não bebi sequer o segundo café. o universo está a tentar dizer-me alguma coisa.

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