Pega no telefone e liga para o escritório, diz-lhes que fiquei afónica, que tenho gripe A, que me cansei da vida, diz-lhe que hoje não vou e a seguir, se não for pedir muito, volta a baixar os estores, mas deixa-os entreabertos, deixa filtrar o ar e o sol, daqui a nada bate-me aqui, há-de tocar-me no cabelo, na cara e então eu acordo. Hoje não vou, vou levantar-me tarde, tomar o pequeno-almoço enquanto o cohen me fala da sua
secret life que é também a minha, vou preguiçar no sofá, vou-me dedicar ao jardim, meter um chapéu de abas largas, sentar-me no chão e arrancar as ervas daninhas, qualquer dia entram pela porta adentro, como quem limpa a alma, vou molhar os pés com a água da mangueira, vou ser feliz sem pensar em nada. E quando as flores ficarem compostas, como em dia de festa, quando tiver as unhas pretas e as mãos arranhadas, volto aqui, tiro a roupa e enfio-me no banho. Se ainda cá estiveres podes pôr a água a correr, não muito quente, deixar Bach a tocar e traz-me o livro que ando a ler, aquele da capa castanha, ficou no chão ao lado da cama, fico na banheira até a pele se enrugar, como se numa hora passassem todos os anos da terra. [hoje não] Pega no telefone e liga para o escritório…
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