1 de julho de 2014

qual é o teu maior medo?

[roubada ao E deus...]

"Morrer é deixar de conseguir ler. É começar a perceber que as páginas que viramos já não nos mudam. Já não sentimos no corpo que aquelas palavras têm a capacidade de alterar tudo."

23 de fevereiro de 2014

[foto Jindřich Štreit]



a I não era velha, mas para nós, acabadas de sair da faculdade, mais do que as rugas, os seus 20 anos de casamento faziam dela qualquer coisa como um dinossauro. na verdade, mais do que a idade reconhecíamos-lhe a cátedra conseguida à custa da experiência. ao mesmo tempo era divertida, de gargalhada fácil, e várias vezes se juntavam as gaiatas à sua volta, como sempre que aparecia alguém novo e lhe pedíamos que explicasse o sucesso de um casamento feliz. nunca lhe cosam as meias. era isto que nos juntava, porque na altura a frase nos soava ridícula e nos fazia rir, feitas tontas.
nunca vão para a cama zangados. lembrei-me da I esta semana porque parece que o papa veio dizer o mesmo. não vão para a cama zangados. desde os tempos da I que esta é para mim uma verdade absoluta. deitar num abraço apertado, dormir com um sorriso, acordar com a certeza de querer estar ali, independentemente da cama, da cidade, do país. nunca cozi um parte de meias na vida e não tenciono fazê-lo. e às regras da I acrescento uma minha, baseada no meu fatalismo, porque por muito que não esperemos haverá uma vez que será a última que nos vemos. demore um dia, 20 anos, cinco décadas. no meio disto quero ter a certeza que me despedi devidamente, que as minhas ultimas palavras foram doces. que sabes que gosto de ti. às regras da I acrescento: nunca saiam de casa sem um beijo.

20 de novembro de 2013

muro das lamentações

 [julien mauve]

Freud certamente explicaria porque é que estou rodeada de pessoas que me respondem como se eu fosse o muro das lamentações de cada vez em que tenho a infeliz ideia de comentar que ‘estou neura’, ‘tenho um problema’, ‘preciso de…’. A resposta é um chorrilho de dores, queixumes e lamúrias que me fazem desistir de qualquer espécie de desabafo e me fazem ter a certeza de estar a falar para uma parede.

1 de novembro de 2013

para sempre

[Paul Almasy]

obrigada por estares aí, por ligares e perguntares por mim como quem quer realmente saber.

11 de outubro de 2013

ao sol


há um kavafis na fruteira da cozinha, é verde e nunca cairá de maduro, que os livros não envelhecem. há tojo na mesa de cabeceira e outro, 'como uma flor de plástico na mesa de um talho', que é tão bonito, num bourdeux indefinido, com relevo a negro, que só isso me levaria a comprá-lo, há pessoas espalhad[o]as por toda a casa, há um júdice no sofá da sala, e um bastardo abandonado, aberto, em cima da cómoda do quarto, mas é à Rosário que volto uma e outra vez.

'Vamos ser velhos ao sol nos degraus
da casa [...]
Eu não quero ser velha
sozinha, mesmo ao sol, nem quero que
sejas velho com mais ninguém. Vamos
ser velhos juntos nos degraus da casa - [...]'

7 de outubro de 2013

banda sonora para uma segunda-feira



o cliché: a minha vida é tão mais fácil com sol e música.

3 de outubro de 2013

Ainda a Rosário

Ainda bem 
que não morri de todas as vezes que
quis morrer - que não saltei da ponte, 
nem enchi os pulsos de sangue, nem
me deitei à linha, lá longe. Ainda bem

que não atei a corda à viga do tecto, nem 
comprei na farmácia, com receita fingida,
uma dose de somo eterno. Ainda bem

que tive medo: das facas, das alturas, mas 
sobretudo de não morrer completamente
e ficar por aí - ainda mais perdida do que 
antes - a olhar sem ver. Ainda bem 

que o tecto foi sempre demasiado alto e 
eu ridiculamente pequena para a morte.

Se tivesse morrido de uma dessas vezes, 
não ouviria agora a tua voz a chamar-me,
enquanto escrevo este poema, que pode 
não parecer - mas é - um poema de amor. 

Maria do Rosário Pedreira

[preciso urgentemente de um novo livro de poesia] 

Boa noite

'meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e
nada temas: já vi a escuridão, já 
olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,
de guarda aos pesadelos - a noite é um poema 
que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres'

Maria do Rosário Pedreira 

1 de outubro de 2013

A vida começa ou acaba aos 40?

[or none of the above...]

[juliette binoche, nascida em 1964]


Andamos a comer décadas, pelo menos na nossa cabeça. Os 30 são os novos 20 e os 40 os novos 30. Ou então sou apenas eu quem precisa desesperadamente de se convencer disso.

Aos 10, nos meus 10, pelo menos, olhávamos para alguém com 40 como pertencendo à meia idade. Hoje, ainda sem lá ter chegado, aos 40, sinto-me tão distante da meia idade como da lua.

Há casos e casos. Na junta tenho colegas de quem diria terem 50, até descobrir em conversa que têm a mesma idade que eu ou são, pasme-se, mais novas. Falo principalmente das mulheres, porque me parece que é aí que a diferença é mais visível. Casamos, temos filhos e num determinado escalão social, temos tendência a acomodarmo-nos, temos menos cuidado com a roupa, com o cabelo, com a aparência em geral. Ou então interiorizamos que mudar o estado civil nos obriga a um certo conservadorismo.

Pensamos que há coisas que deveríamos deixar de fazer com a idade, há roupas que uma mulher casada não usa, que não se vestem depois dos 35. Para não cair no ridículo. Mas olhando para o espelho e não recebendo de volta o reflexo que a idade impunha, quem me impede de vestir uns calções de ganga, uma mini-saia a raiar o cinto? Quem me impede de dançar até de manhã na mais chunga discoteca do Cais Sodré? O que me impede de me sentar em posição de lótus na relva de um jardim, invés de optar por um banco, com as pernas decentemente cruzadas?

Um conservadorismo de que parecemos ficar libertas na exacta medida em que não temos  responsabilidades com os filhos e a família.

As generalizações são perigosas. Há mães de família mais cools do que eu alguma vez serei - vide Cláudia Vieira, por exemplo -, mas para isso é preciso o tempo e a energia que só um determinado poder de compra conferem. Há uns tempos apanhei um artigo em que se falava na forma como o QI era influenciado pela nossa capacidade financeira, que a capacidade para nos mantermos informados, para procurar alternativas e sermos bem sucedidos é proporcional ao dinheiro que temos na conta bancária. Ser pobre equivalia a perder 10 pontos do QI. Sem dinheiro, a nossa cabeça está ocupada em sobreviver dia após dia o que não deixa espaço para procurar alternativas. Olhando em volta, parece-me que o exemplo se aplica também à imagem que transmitimos, aquilo que somos aos 30, aos 40 ou aos 50 anos.

A ideia era escrever sobre alternativas de vida, sobre se aos 40 teremos ou não a mesma disponibilidade mental para dar uma volta de 180 graus à nossa vida, arriscar mudar tudo, de casa, de emprego, de país, de hemisfério. Saiu isto. Mas a conclusão acabaria, como aqui, por ir bater à estafada ideia de que a idade é um estado de espírito e o meu não tem mais de 20 anos.

30 de setembro de 2013

'we're bigger than we ever dreamed'

se gostar fosse uma ciência exacta, talvez conseguisse explicar porque fiz o jantar, traduzido em lavar salada e enfiar uma fatia de lasanha no micro-ondas, a dançar isto e depois isto, descobertas hoje e com entrada directa para a lista de favoritos do stoptify, a melhor coisa alguma vez inventada pelo homem. e dançar foi não bater o pé e abanar a anca, foi dançar mesmo, como só fazemos quando estamos sozinhos em casa, longe de qualquer espécie de julgamento. e foi tão bom. 

29 de setembro de 2013

é a democracia, estúpida

é certo que chove, que é uma chatice ter que andar de chapéu de chuva, que o chão em lisboa anda tão sujo que cada passo soa a ameaça de morte [e calculo que no resto do país não será muito diferente], mas nada justifica os números. até ao meio dia a afluência às urnas era abaixo de cão. 19,44%.isso, dezanove vírgula quarenta e quatro por cento. até às 16h o cenário melhorou ligeiramente, mas mesmo assim, só 43,43% dos portugueses com mais de 18 anos se deram ao trabalho de ir à junta, à escola, ao pavilhão desportivo, fazer três cruzes em outras tantas folhas de papel. é isso que custa. três cruzes. como é possível que continuemos a deixar na mão dos outros, de meia dúzia deles, o nosso futuro, do futuro da nossa cidade, da nossa rua. sim, não acreditamos nos políticos, são todos iguais, uma cambada, o sistema está podre, é corrupto. mas 'a democracia é a pior forma de governo exceptuando todas as outras'. lá atrás, há 40 anos, há 50 anos, alguém lutou para que tivéssemos uma palavra a dizer, para que pudéssemos usar dessa palavra, para que tivéssemos escolhas. e pela parte que me toca, recuso-me a abdicar desse direito, o direito à escolha. concedo, em última análise, a escolha é ficar em casa. é pena.

[em contrapartida, a fila para entrar no colombo chegava à segunda circular. escolhas.]

é isto

"Não queiras que cada página seja um monumento. Não queiras tudo. É o melhor caminho para não encontrares nada. Não te sintas esmagado pelos grandes nem condoído com a falência dos que detestas ou desprezas ou apenas lamentas. Escreve. Esquece tudo, tapa os ouvidos, mete-te bem na tua experiência, só na tua experiência. Grande ou pequena, é o que tens. Não desanimes, não desistas, não te perturbes com a indiferença dos outros, não te entusiasmes com os aplausos dos outros. Escreve! Escreve!»

Mário Dionísio,Autobiografia, o jornal, 1987

[via a trama]

troco ipad por bloco de notas

a grande vantagem de ter um ipad, e deixa-lo dormir na almofada do lado, é poder tomar notas de tudo aquilo que nos passa pela cabeça, e que é tão, mas tão importante, que não nos queremos esquecer, sem ter sequer que acender a luz. a grande desvantagem é estar nisto há hora e meia - afinal esticar o braço e acender a luz sempre era um factor dissuasor. tem sido uma noite produtiva, mas já dormia. e o ipad ainda tem 33% de bateria.

nada mais

Lê-me como a um livro. Soletra as palavras, letra a letra com a ponta dos dedos. Está lá escrito o que podes fazer comigo, nada mais. Lê-me em voz alta, decora os limites do uso que me podes dar. E quando tiveres aprendido até onde podes ir, não mais, envolve-me com os braços. Usa e abusa da primeira das instruções.

28 de setembro de 2013

fora de tempo



nada mais retive daquele artigo do ípsilon a não ser o nome deste filme. hoje fui procurar o trailer, porque as coincidências são sempre mais do que simples coincidências mesmo quando chegam fora de tempo.